2013/03/25

O Mundo Precisa de Energia Nuclear?

Nos últimos anos, o desafio de por um lado atender às crescentes necessidades energéticas da população mundial, e de outro reduzir o impacto de nossas atividades ao meio-ambiente, têm levado a uma ampla reconsideração da tecnologia nuclear e seu papel no nosso futuro. Este vídeo do TED ilustra bem os pontos atualmente apresentados a favor e contra a disseminação de usinas nucleares:


(Para quem preferir ler uma transcrição do debate a assistir o vídeo, acesse esta página, clique em "Show transcript" e selecione a língua que desejar – há uma versão em Português disponível.)

Assistindo o vídeo, gostei especialmente do fato de os dois lados apresentarem dados concretos, quantitativos, para fundar seus argumentos. Quando a grande mídia toca nesses assuntos é comum eles serem tratados de forma muito vaga; é refrescante poder acompanhar uma discussão que contenha números, para variar um pouco.

Acho que não preciso dizer que me localizo no campo pró-nuclear, e portanto apoio a posição defendida por Stewart Brand: usinas hidroelétricas, eólicas e solares são ótimas, mas há limites ambientais que limitam a sua aplicação – e desse ponto em diante energia nuclear é atualmente a única alternativa viável aos combustíveis fósseis. Se tecnologias como a conversão de CO2 em hidrocarbonetos, LENR e fusão quente amadurecessem logo, talvez toda essa discussão se tornasse irrelevante; mas isso ainda pode levar décadas, e enquanto isso ainda precisamos de alguma fonte para suprir nossas necessidades sempre crescentes de energia – de preferência sem entulhar a atmosfera com carbono, enxofre e fuligem.

Quanto aos pontos do Prof. Mark Jacobson, eu gostaria de fazer alguns comentários:

Sobre as estimativas de emissão de CO2: é interessante notar que mesmo a estimativa "pessimista" para energia nuclear ainda é bem  inferior (cerca de 1/3) à estimativa "otimista" para usinas termoelétricas que implementem Carbon Capture and Storage (CCS) – isto é, as termoelétricas "limpas", das quais nenhuma ainda está em operação. Fossem usados os dados para as plantas atuais, que despejam todas as suas emissões na atmosfera, e certamente a diferença em favor das usinas nucleares seria bem maior. Isso é condizente com o argumento pró-nuclear de que outras formas de produção são preferíveis quando aplicáveis, mas na falta delas uma usina nuclear é uma opção ambientalmente menos agressiva do que uma termoelétrica.

Sobre a demora para construir uma usina nuclear: nos Estados Unidos, um dos principais entraves é a reticência do governo federal, que por mais de trinta anos recusou-se a emitir permissões para construção de novas usinas. É claro que mesmo descontando a burocracia não é trivial construir uma usina nuclear tradicional, com potência da ordem de Gigawatts; é aí que entram novos designs como o Toshiba 4S, que combinam simplicidade e dimensões menores com os benefícios de um esquema de produção em escala industrial.

Sobre a questão da proliferação: esse argumento de que usinas nucleares produzem matéria-prima para armas atômicas era válido para as bombas atômicas baseadas em Plutônio, elemento que não existe na natureza e precisa ser produzido "queimando" Urânio em uma usina. Porém armas atômicas mais recentes são baseadas em Urânio mesmo, e aí o requisito não são usinas, mas centrífugas capazes de refinar o urânio às concentrações necessárias (e que são muito maiores do que as exigidas por usinas atômicas). Quem está acompanhando a novela do programa nuclear Iraniano deve lembrar que há alguns anos, a Rússia propôs assumir o enriquecimento de Urânio para o Irã, se eles em troca abandonassem seu programa de centrífugas. Da mesma forma, o Stuxnet foi desenvolvido para atacar as centrífugas, não as usinas Iranianas. Pode-se argumentar que um país que domina a tecnologia básica poderia eventualmente desenvolvê-la ao nível necessário para produção bélica – mas isso é o mesmo que acusar um país que domine a produção de fertilizantes e inseticidas de ser um "potencial produtor de armas químicas".

Sobre confiabilidade: um estudo sobre as usinas eólicas do Reino Unido realizado em 2011 chegou à conclusão de que em média, a geração de energia é da ordem de 20% da capacidade instalada, que os momentos de pior desempenho muitas vezes coincidem com os de maior demanda (e vice-versa), e que é apenas o mercado de Renewable Obligation Certificates que torna as usinas eólicas economicamente viáveis. E em Julho de 2012 a província de Alberta no Canadá foi assolada por blecautes, quando uma calmaria deixou todas as turbinas de vento na mão. Como disse Rod Adams em um artigo recente, "[w]ho could have possibly predicted that the wind would be unavailable on the hottest (and coldest) days?"

E quanto a você? O que achou do vídeo, e dos argumentos oferecidos por cada lado? Deixe sua opinião na seção de comentários.

2013/03/18

Novo modelo de reator nuclear é movido a "lixo" atômico


Fonte: The Register

Um novo modelo de reator nuclear desenvolvido por ex-membros do Massachusetts Institute of Technology (MIT) utiliza como combustível material descartado por reatores de água leve (Light Water Reactor ou LWR), atualmente o modelo dominante de reator nuclear.

O problema do "lixo" atômico é mais econômico do que técnico. O combustível de um reator LWR são bastões de óxido de urânio. Através do processo de fissão nuclear, o urânio libera calor – que é aproveitado pelo reator para gerar eletricidade – e radiação, transformando-se em elementos menos energéticos. Naturalmente, à medida em que o urânio vai se "consumindo", os bastões começam a liberar menos calor; basta que apenas 5% do urânio tenha sido "gasto" para que a taxa de liberação de calor caia abaixo de um nível crítico de eficiência, e os bastões precisem ser substituídos.

E os outros 95% de urânio, não poderiam ser reaproveitados? Com toda certeza, mas aí entra a questão econômica: a demanda mundial de urânio é muito inferior às reservas disponíveis, por isso sai mais barato comprar combustível "novo" do que reciclar o material desgastado. Armazenar esse material de forma segura gera um custo, que seria menor se o combustível pudesse ser "gasto" mais completamente antes de ser descartado; mas o volume de "lixo" produzido por uma usina nuclear é pequeno o bastante para que o descarte ainda seja a solução mais econômica. A usina de Angra 2, por exemplo, produz por ano 50m3 de dejetos, cerca de 550 toneladas; para efeito de comparação, a usina termoelétrica Suape III libera 24.000 toneladas de CO2 por dia.

A vantagem do novo design de Reator de Sal Derretido Eliminador de Resíduos (Waste Annihilating Molten Salt Reactor ou WAMSR) proposto pela Transatomic Power, empresa criada para comercializar a tecnologia, é justamente a capacidade de transformar esse "lixo" em energia a custos competitivos com os reatores LWR rodando a combustível "novo". Em um reator WAMSR, pastilhas de resíduos nucleares são dissolvidas, em uma solução de sal de fluorido, e o composto resultante é bombeado para dentro de um núcleo de grafite, ocasionando um processo controlado de fissão. O calor liberado pela fissão é usado para mover uma turbina elétrica.

Diagrama esquemático de um reator WAMSR.

O processo é muito mais eficiente do que o usado em um reator LWR – consumindo até 98% da energia potencial contida no combustível nuclear – e muito mais conveniente em caso de problemas. Como o combustível é líquido (diferente do caso do reator LWR que usa combustível sólido), ele pode ser facilmente drenado para um recipiente de resfriamento quando for preciso desligar o reator rapidamente. No modelo WAMSR isso é implementado na forma de um plugue no fundo do tanque de combustível, que precisa ser ativamente resfriado para permanecer no lugar: se o resfriamento for interrompido (por exemplo no caso de uma falha elétrica), o plugue derrete e o combustível flui para dentro de um compartimento contendo sal em estado sólido, que resfria o combustível e "mata" a reação de fissão. O processo não requer qualquer tipo de intervenção (fosse ela humana ou de algum equipamento) para ser iniciado, fora a interrupção do resfriamento do plugue.

Atualmente 270.000 toneladas de "lixo" atômico permanecem armazenadas em depósitos pelo mundo. Se todo esse material fosse aproveitado em usinas WAMSR, a energia resultante poderia atender todas as nossas necessidades energéticas pelos próximos 70 anos; após esse período, as usinas poderiam ser convertidas para consumir combustível "normal" diretamente.

2013/03/12

Fukushima 2 Anos: O Verdadeiro Inimigo É O Medo


Um dos argumentos recorrentes a favor da manutenção da zona de exclusão em volta da usina Fukushima Dai-Ichi é o medo de "efeitos de longo prazo" – ou em bom português, câncer.

Nos próximos anos, pessoas que residem ou residiram na região de Fukushima com certeza vão desenvolver câncer. Posso afirmar isso sem medo de me enganar, porque o risco de câncer é inerente à nossa natureza biológica – ele incide sobre praticamente todos os seres vivos, independente de suas condições ambientais.

Em particular, dois fatores contribuem para o desenvolvimento de câncer: idade avançada e stress. Como a população Japonesa só tende a envelhecer, e todo refugiado está, por definição, sob intenso stress, eu não me surpreenderia nem um pouco se um aumento de casos de câncer for detectado não apenas em Fukushima, mas em toda a região de Touhoku nos próximos anos.

Entretanto, quando o número de casos de câncer em Fukushima for comparado com o de outras regiões que sofreram com o terremoto e tsunami, mas não com qualquer contaminação radioativa, eu duvido muito que seja detectada qualquer diferença estatisticamente significante. Isso porque radioatividade não é um "raio da morte" que causa câncer ao menor contato: todos os seres vivos possuem um certo grau de resistência, até porque nós somos continuamente bombardeados por radiação cósmica, além de fontes humanas (raios X, radiação na alta atmosfera em passageiros de vôos internacionais...), e nem por isso sofremos todos de câncer.

E mesmo os trabalhadores que contiveram o reator tiveram seus níveis de exposição à radiação acompanhados de perto, justamente para não ultrapassar os limites da resistência humana – enquanto os civis foram evacuados logo no começo da crise.

Portanto, a maior fonte de riscos à vida relacionada ao incidente em Fukushima, e que infelizmente não dá sinais de enfraquecer, é o medo, e as más decisões que ele motiva.

Somos Todos Radioativos

Porque há para nós um problema sério (...).
Esse problema é o do medo.

– Antônio Cândido

Em 11 Março de 2011 a região de Touhoku no Leste do Japão foi atingida por um dos terremotos mais violentos da história registrada do arquipélago. Tremores de magnitude 8,9 Mw e ondas gigantes de mais de 10 metros devastaram a costa, destruindo rodovias e ferrovias, varrendo pequenas cidades do mapa, e fazendo cerca de 30.000 vítimas, entre mortos e desaparecidos.

Entretanto, nos dias e semanas que se seguiram ao terremoto, o interesse da mídia distanciou-se progressivamente dos vastos prejuízos materiais e inúmeras perdas humanas provocadas pelo desastre natural, preferindo focar-se no que ficou conhecido como "o acidente nuclear de Fukushima" – o comprometimento dos sistemas de resfriamento dos reatores da usina nuclear Fukushima Dai-Ichi, que havia entrado em processo automático de desligamento após o terremoto.

Naquela época eu não tinha muito interesse ou conhecimentos, e nenhuma opinião formada sobre energia nuclear. Entretanto, eu tinha um interesse pessoal em saber o quê exatamente estava acontecendo em Fukushima, de que formas a "crise" poderia evoluir, e quais seriam suas consequências de longo prazo. A grande imprensa não estava sendo de muita ajuda, então comecei a acompanhar a situação por sites especializados.

O departamento de Ciência e Engenharia Nuclear do MIT, a Agência Internacional de Energia Atômica e a série de reportagens de Lewis Page no The Register apontavam todos para uma direção comum: a situação era grave para a usina, mas o perigo estava restrito aos seus arredores; tampouco haveria consequências duradouras mais graves do que um aumento residual no nível de radiação local, que ainda ficaria muito abaixo do naturalmente encontrado em diversas regiões habitadas ao redor do globo.

Dois anos depois, todas essas previsões se confirmaram: o número de fatalidades relacionadas à crise na usina não passou de três, nenhuma por causa de radiação – dois funcionários arrastados pela onda e um terceiro morto no desabamento de um guindaste – e os níveis de radiação em volta da usina não alcançaram os encontrados nas praias de Guarapari, no litoral do Espírito Santo*. A despeito de tudo isso, o mito do "acidente nuclear de Fukushima" permanece – inclusive entre o próprio governo japonês, que recusa-se a permitir o retorno de moradores a uma região perfeitamente segura.

É impossível exagerar a aversão que o grande público sente de termos como "nuclear" ou "atômico". Embora seja inegável que a tecnologia nuclear possa causar danos graves às pessoas e ao meio-ambiente se mal aplicada (como aliás é verdade para toda tecnologia humana, começando pelo fogo e a roda), a hostilidade geral em relação a ela é desproporcional a qualquer estrago real já causado – e muito maior do que o dirigido a tecnologias igualmente úteis mas que tomam inúmeras vidas todos os anos, como o automóvel ou o avião.

Há dois anos eu talvez compartilhasse dessa aversão; mas ironicamente, enquanto buscava compreender o que ocorria no Japão durante aquele Março de 2011, aprendi muito sobre a tecnologia nuclear, seu progresso contínuo e perspectivas futuras. Um certo dia concluí que longe de ser uma inimiga, a energia nuclear pode ser uma aliada poderosa na criação de um mundo mais próspero e mais limpo. Para isso, porém, precisamos vencer o medo sistemático que nos impede de ver essa tecnologia como ela é: uma ferramenta, que tem muito a oferecer se usada corretamente.

Somos Todos Radioativos é minha tentativa de colaborar para uma discussão mais ampla e esclarecida sobre as perspectivas da energia nuclear. O nome do blog é uma referência ao fato de que a radioatividade está presente, de diferentes formas, em todo o mundo – produzida tanto por fontes artificiais (máquinas de raio-X, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos) quanto naturais (raios cósmicos, radiação solar, minerais terrestres) e até por seres vivos (algumas frutas como a banana contém isótopos radioativos derivados do seu próprio metabolismo). Portanto, é tolice pensar que a radioatividade seja um "raio da morte" que mata ou dá câncer ao menor contato; ao contrário, o que precisamos é compreender quando e como ela é perigosa, ou pode ser útil.

Neste espaço eu vou falar sobre a história e a tecnologia da energia nuclear, a natureza e os efeitos da exposição de seres vivos à radioatividade, e discutir argumentos frequentemente usados contra essa tecnologia. Todos são bem-vindos para oferecer suas opiniões, propor pautas e mesmo contribuir artigos.

Permaneçam ligados.

* Por acaso eu nasci em Vitória, no Espírito Santo e fui a Guarapari inúmeras vezes; em vários anos minha família passou uma semana na cidade durante as férias de Verão. Guarapari é um balneário bastante frequentado no Carnaval, e local de residência preferido por muitas pessoas de mais idade. A todos que desejam conhecer a realidade de um "deserto atômico", eu recomendo fortemente que façam uma visita.