2013/03/12

Somos Todos Radioativos

Porque há para nós um problema sério (...).
Esse problema é o do medo.

– Antônio Cândido

Em 11 Março de 2011 a região de Touhoku no Leste do Japão foi atingida por um dos terremotos mais violentos da história registrada do arquipélago. Tremores de magnitude 8,9 Mw e ondas gigantes de mais de 10 metros devastaram a costa, destruindo rodovias e ferrovias, varrendo pequenas cidades do mapa, e fazendo cerca de 30.000 vítimas, entre mortos e desaparecidos.

Entretanto, nos dias e semanas que se seguiram ao terremoto, o interesse da mídia distanciou-se progressivamente dos vastos prejuízos materiais e inúmeras perdas humanas provocadas pelo desastre natural, preferindo focar-se no que ficou conhecido como "o acidente nuclear de Fukushima" – o comprometimento dos sistemas de resfriamento dos reatores da usina nuclear Fukushima Dai-Ichi, que havia entrado em processo automático de desligamento após o terremoto.

Naquela época eu não tinha muito interesse ou conhecimentos, e nenhuma opinião formada sobre energia nuclear. Entretanto, eu tinha um interesse pessoal em saber o quê exatamente estava acontecendo em Fukushima, de que formas a "crise" poderia evoluir, e quais seriam suas consequências de longo prazo. A grande imprensa não estava sendo de muita ajuda, então comecei a acompanhar a situação por sites especializados.

O departamento de Ciência e Engenharia Nuclear do MIT, a Agência Internacional de Energia Atômica e a série de reportagens de Lewis Page no The Register apontavam todos para uma direção comum: a situação era grave para a usina, mas o perigo estava restrito aos seus arredores; tampouco haveria consequências duradouras mais graves do que um aumento residual no nível de radiação local, que ainda ficaria muito abaixo do naturalmente encontrado em diversas regiões habitadas ao redor do globo.

Dois anos depois, todas essas previsões se confirmaram: o número de fatalidades relacionadas à crise na usina não passou de três, nenhuma por causa de radiação – dois funcionários arrastados pela onda e um terceiro morto no desabamento de um guindaste – e os níveis de radiação em volta da usina não alcançaram os encontrados nas praias de Guarapari, no litoral do Espírito Santo*. A despeito de tudo isso, o mito do "acidente nuclear de Fukushima" permanece – inclusive entre o próprio governo japonês, que recusa-se a permitir o retorno de moradores a uma região perfeitamente segura.

É impossível exagerar a aversão que o grande público sente de termos como "nuclear" ou "atômico". Embora seja inegável que a tecnologia nuclear possa causar danos graves às pessoas e ao meio-ambiente se mal aplicada (como aliás é verdade para toda tecnologia humana, começando pelo fogo e a roda), a hostilidade geral em relação a ela é desproporcional a qualquer estrago real já causado – e muito maior do que o dirigido a tecnologias igualmente úteis mas que tomam inúmeras vidas todos os anos, como o automóvel ou o avião.

Há dois anos eu talvez compartilhasse dessa aversão; mas ironicamente, enquanto buscava compreender o que ocorria no Japão durante aquele Março de 2011, aprendi muito sobre a tecnologia nuclear, seu progresso contínuo e perspectivas futuras. Um certo dia concluí que longe de ser uma inimiga, a energia nuclear pode ser uma aliada poderosa na criação de um mundo mais próspero e mais limpo. Para isso, porém, precisamos vencer o medo sistemático que nos impede de ver essa tecnologia como ela é: uma ferramenta, que tem muito a oferecer se usada corretamente.

Somos Todos Radioativos é minha tentativa de colaborar para uma discussão mais ampla e esclarecida sobre as perspectivas da energia nuclear. O nome do blog é uma referência ao fato de que a radioatividade está presente, de diferentes formas, em todo o mundo – produzida tanto por fontes artificiais (máquinas de raio-X, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos) quanto naturais (raios cósmicos, radiação solar, minerais terrestres) e até por seres vivos (algumas frutas como a banana contém isótopos radioativos derivados do seu próprio metabolismo). Portanto, é tolice pensar que a radioatividade seja um "raio da morte" que mata ou dá câncer ao menor contato; ao contrário, o que precisamos é compreender quando e como ela é perigosa, ou pode ser útil.

Neste espaço eu vou falar sobre a história e a tecnologia da energia nuclear, a natureza e os efeitos da exposição de seres vivos à radioatividade, e discutir argumentos frequentemente usados contra essa tecnologia. Todos são bem-vindos para oferecer suas opiniões, propor pautas e mesmo contribuir artigos.

Permaneçam ligados.

* Por acaso eu nasci em Vitória, no Espírito Santo e fui a Guarapari inúmeras vezes; em vários anos minha família passou uma semana na cidade durante as férias de Verão. Guarapari é um balneário bastante frequentado no Carnaval, e local de residência preferido por muitas pessoas de mais idade. A todos que desejam conhecer a realidade de um "deserto atômico", eu recomendo fortemente que façam uma visita.

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