2013/11/11

Radiação de Baixa Intensidade e Suas Consequências para a Recuperação de Fukushima

Fonte: Atomic Insights

Uma das alegações sobre o acidente de Fukushima é que pessoas expostas à radiação emitida pela usina estariam "condenadas", ou pelo menos sob um risco muito maior de desenvolver câncer nos próximos anos. Essa expectativa, entretanto, encontra pouca ressalva entre pesquisadores familiarizados com os níveis de radiação liberados no acidente e seus efeitos no organismo humano a médio e longo prazo.

Low-level Radiation and Its Implications for Fukushima Recovery é o título de uma palestra apresentada pelo Dr. Kiyohiko Sakamoto em 2011. Dr. Sakamoto, PhD em medicina pela Universidade de Tohoku (localizada na província de Miyagi, ao Norte de Fukushima), estuda os efeitos de longo prazo da exposição a baixos níveis de radioatividade desde 1975. Inicialmente interessado em determinar a dose mínima de radiação necessária para acelerar a evolução do câncer em cobaias já doentes, Dr. Sakamoto surpreendeu-se ao descobrir que a baixos níveis (da ordem de 10 a 15 cGy) a irradiação incrementava a resposta imunológica natural, retardando o progresso da doença.

Desde então Dr. Sakamoto pesquisa o emprego da exposição a baixos níveis de radiação para a cura do câncer, tendo até hoje tratado cerca de 200 pacientes. Baseado nessa experiência, Dr. Sakamoto conclui que os residentes de Fukushima não estão sob nenhum risco adicional de contrair câncer devido aos níveis de radiação atuais, e poderiam mesmo experimentar riscos menores de contrair a doença no futuro – isto é, se o stress causado pela destruição do terremoto e do Tsunami, mais o medo causado pela falta de informação, não forem suficientes para reverter essa tendência.

2013/07/23

Urânio: esperança para uma química industrial mais eficiente e limpa?

Tanto se fala sobre Urânio e outros elementos radioativos apenas no contexto de energia nuclear, que por vezes esquecemos que esses materiais podem ter muitas outras aplicações – às vezes tão inesperadas quanto necessárias.

Uranium Catalysts for the Reduction and/or Chemical Coupling of Carbon Dioxide, Carbon Monoxide, and Nitrogen, artigo publicado recentemente no site Atomic Insights, descreve como processos químicos baseados em Urânio poderiam tornar mais barata e limpa a fixação de Nitrogênio, além de permitir a captura e reciclagem do Gás Carbônico e Monóxido de Carbono liberados pela queima de combustíveis fósseis.

A fixação de Nitrogênio é um processo fundamental para inúmeras áreas da indústria moderna: síntese de medicamentos, confecção de plásticos, reciclagem de metais, produção de combustível de foguetes e explosivos para mineração são apenas algumas das atividades que não seriam possíveis ou viáveis sem o seu emprego.

Mas sem dúvida a aplicação mais importante da fixação de Nitrogênio é na indústria de fertilizantes, sem a qual toda a agricultura moderna – e por consequência a sobrevivência de cerca de um terço da população atual – não seria possível. Infelizmente, a síntese de Haber-Bosch, etapa indispensável do processo, é altamente dispendiosa em termos energéticos1, além de poluente (a reação libera N2O que é um gás do efeito estufa, agride a Camada de Ozônio, e também contribui para a eutrofização de rios e lagos).

O potencial de processos químicos baseados em Urânio para permitir a fixação de Nitrogênio de forma mais econômica e menos poluente é conhecida desde o começo do Século XX. Mais recentemente, avanços foram feitos no uso de Urânio para a fixação de poluentes gerados pela queima de combustíveis fósseis, especialmente Gás Carbônico e Monóxido de Carbono. A captura desses poluentes e sua reciclagem como combustível representaria um grande passo na direção de uma indústria energética mais limpa, e processos baseados em Urânio oferecem uma rota econômica e limpa para sua implementação.

Infelizmente, o medo e ignorância sobre as propriedades do Urânio e outros elementos radioativos previnem um desenvolvimento mais amplo dessas técnicas. Isso é especialmente desanimador quando, temendo os "perigos" do uso desses elementos, indivíduos e organizações voltam-se a alternativas mais caras e poluentes – trocando riscos hipotéticos e administráveis por mortes e prejuízos reais. Resta a esperança de que, à medida em que essas perdas se mostrarem irrefutáveis, os responsáveis pela administração da nossa infraestrutura energética e industrial comecem a se pautar mais por parâmetros racionais de eficiência e segurança, e menos pelo preconceito.

Notas

  1. Esse é apenas um dos motivos porque quem defende um "retorno às raízes", a um tempo sem um setor industrial sustentado por uma ampla infraestrutura energética, na verdade está advogando o extermínio de uma grande parcela da população humana.

2013/04/15

Radiação e Superstição

Fonte: Atomic Insights

Esta é uma tradução de um artigo de Robert Hargraves, originalmente publicado no site Atomic Insights. Ao escrevê-la, busquei dar mais atenção ao significado do que à estrutura do texto original: em vários lugares troquei palavras, mudei a ordem das frases ou expandi parágrafos para melhor acomodar o conteúdo à nossa língua. É minha avaliação pessoal que apesar disso esta continua sendo uma tradução fiel, mas em todo caso, quaisquer diferenças de sentido são de minha inteira responsabilidade. Também tomei a liberdade de adicionar notas de rodapé contendo links de referências e informações adicionais onde achei necessário.

Quase um milhão de pessoas morrem todos os anos por respirar partículas liberadas na queima de carvão; a temperatura média do planeta pode subir até 2oC antes do fim do século; mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a eletricidade. E no entanto, uma solução para tais crises globais – os casos cada vez mais frequentes de mortes devidas à poluição do ar, o aquecimento global, as crescentes populações de países subdesenvolvidos condenadas à miséria – existe e está ao nosso alcance.

A bem-vinda expansão da classe média ao redor do globo tem feito crescer a demanda por energia. Se a economia mundial continuar a prosperar, e cada pessoa tiver acesso a apenas metade do consumo elétrico médio de um habitante dos Estados Unidos, nossas necessidades de geração elétrica vão triplicar. A maioria dessa eletricidade virá de geradores movidos a carvão, cujo consumo cresceu 8% em 2011. A Alemanha está à frente dessa tendência, construindo novas usinas termoelétricas. Usinas solares e eólicas são muito caras, e sua produção é muito intermitente, para substituir o carvão em escala global[1].


Mina de carvão a céu aberto

A energia nuclear é a solução ao nosso alcance: ela é segura, econômica e de baixo impacto ambiental. Apesar disso a oposição ao seu uso chega às raias da superstição, no sentido dado pelo dicionário Merriam-Webster de "[uma] crença ou prática resultante da ignorância, medo do desconhecido, fé em mágica ou sorte, ou uma falsa concepção de relações de causa-consequência (...). Uma posição mantida a despeito de evidências do contrário." Vamos explorar as evidências.

As pessoas racionalmente temem a possibilidade de acidentes em usinas nucleares causarem a dispersão de partículas radioativas. E é fato que doses maciças de radiação mataram 38 trabalhadores de emergências em Chernobil, e a precipitação de iodo radioativo resultou em 4000 casos de câncer de tireoide e 15 mortes[2]. Entretanto não há qualquer evidência dos milhares de mortes hipotéticas preditas pela extrapolação dos efeitos de doses mortais para níveis mais baixos de exposição. Oponentes da energia nuclear chegam mesmo a falar em mortes da ordem de um milhão, sem apresentar evidências observáveis.

Usando extrapolações matemáticas simplistas dos efeitos de acidentes envolvendo altos níveis de radiação, oponentes da energia nuclear alegam que não há nível seguro de radioatividade – nem mesmo o baixo nível de radiação natural proveniente do espaço e do potássio, urânio e tório radioativos presentes em nosso planeta desde sua criação bilhões de anos atrás. Potássio está presente na nossa comida e nos nossos corpos[3]. Rochas contém o tório e urânio que decai em radônio ou abastece usinas elétricas.


A refinaria de Chiba ardeu em chamas por 10 dias enquanto a mídia internacional focava-se em Fukushima

Reportagens sobre o acidente em Fukushima criaram uma histeria sem fundamento. Um comitê científico das Nações Unidas responsável por investigar os impactos do acidente na saúde pública relatou em Dezembro que nenhum efeito de radiação foi encontrado entre o público ou trabalhadores da usina[4], e aconselhou contra o uso de extrapolações para tentar prever os efeitos de baixas doses de radiação à saúde[5]. Superstições sobre a radiação causam grandes danos. O Japão está gastando bilhões de dólares para evitar o repopulamento de áreas radiologicamente seguras. Centenas de pessoas morreram devido ao stress causado pela evacuação[6]. A importação de gás natural para substituir a energia nuclear causou um déficit na balança comercial Japonesa[7].


Navios-tanque de gás natural em um porto da Coréia do Sul

As pessoas temem desnecessariamente os baixos níveis de radiação emitidos por material dispersado em acidentes, resíduos enterrados, ou procedimentos médicos. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos exigiu dos engenheiros de Yucca Mountain que limitassem vazamentos acidentais a 1/20 dos níveis naturais de radiação por 10.000 anos[8]. Técnicos de máquinas de raios-X bucais costumam cobrir seus pacientes com aventais de chumbo para protegê-los, mas seria preciso expor-se a 10.000 desses procedimentos antes que qualquer efeito à saúde pudesse ser observado.

A exposição prolongada a radiação é segura nos níveis normalmente encontrados no meio-ambiente; nossas células conseguem reparar rapidamente o dano causado ao DNA, à velocidade de uma ocorrência por segundo por célula. Os primeiros seres vivos evoluíram em um ambiente onde a radiação de fundo era 3 vezes maior do que a atual. Nos dias de hoje, populações vivendo em lugares onde o nível de radiação natural é até 5 vezes maior do que a média não apresentam acréscimo no número de casos de câncer[9].

Tão importante quanto a quantidade de radiação a que se é exposto é a taxa a que se dá essa exposição. Taxas elevadas sobrecarregam nossas defesas naturais. As mesmas doses de radiação que foram fatais aos trabalhadores de Chernobil, se recebidas em pequenas frações ao longo de uma vida inteira, não causariam dano algum. Tumores cancerosos são destruídos pela exposição a radiação ao longo de várias sessões de radioterapia, mas o tecido saudável em volta não sofre danos duradouros se lhe for dado tempo para se recuperar. Em 2012 pesquisadores do MIT não encontraram sinais de danos no DNA de pessoas expostas a taxas de radiação 30 vezes maiores do que o normal[10]; cientistas de Berkeley descobriram que baixas taxas de radiação podem mesmo melhorar a saúde das nossas células[11]. A doses e taxas baixas, a radiação é benigna.

Estudos apontam que trabalhadores da indústria nuclear, expostos a baixos níveis de radiação ao longo da vida, têm menos risco de desenvolver câncer do que a média da população. Nos anos 1980, aço utilizado na construção de 180 edifícios contendo cerca de 1700 apartamentos, além de escolas e prédios comerciais em Taiwan e países próximos, foi acidentalmente contaminado com cobalto. Habitantes dessas estruturas foram continuamente expostos a doses relativamente altas de radiação por mais de duas décadas. Entretanto, quando a contaminação foi descoberta e diagnósticos começaram a ser compilados, descobriu-se que entre essas pessoas houve 97% menos casos de câncer do que a média entre nativos de Taiwan[12]. No ano passado, o Dose-Response Journal e a American Nuclear Society publicaram compilações de artigos evidenciando que a exposição a baixos níveis de radiação é benigna ou mesmo saudável[13].

A vaga política de controle de riscos imposta à indústria nuclear, "tão baixo quanto razoavelmente possível", encoraja a multiplicação de empecilhos cada vez mais dispendiosos ao desenvolvimento de uma indústria energética nuclear economicamente viável. Isso poderia ser solucionado pela adoção de uma nova política onde riscos pudessem ser "tão altos quanto razoavelmente seguro". Esses limites seriam estabelecidos com base em evidências práticas, como é a norma em outros setores que envolvem riscos ambientais. A energia nuclear pode atender nossas necessidades energéticas e ainda resolver nossos problemas de pobreza e mudanças climáticas. Deveríamos condenar o futuro do planeta por apego a uma superstição?

– Robert Hargraves

Currículo

Autor: THORIUM: energy cheaper than coal
Líder de estudos sobre políticas energéticas: ILEAD@Darthmouth
Vice presidente: Boston Scientific
Consultor administrativo: Arthur D Little
Vice presidente: Metropolitan Life
Presidente: DTSS
Professor assistente de matemática: Darthmouth College
PhD em Física pela Brown University
Bacharel em Matemática e Física, Darthmouth College

Notas

  1. Wind power: Even worse than you thought. Em média, a geração de energia em usinas eólicas é da ordem de 20% da capacidade instalada; os momentos de pior desempenho muitas vezes coincidem com os de maior demanda, e vice-versa. No Reino Unido, é apenas o mercado de Renewable Obligation Certificates que torna as usinas eólicas economicamente viáveis.
  2. Segundo o Dr. Jerry Cuttler, "doses maciças de radiação mataram 28 de 134 trabalhadores de emergência que receberam tratamento para síndrome de irradiação aguda; os outros 106 trabalhadores se recuperaram. Durante os 19 anos seguintes, 20 desses 106 trabalhadores morreram de causas naturais, incluindo cirrose do fígado e enfisema. Em condições normais o índice de mortalidade desses trabalhadores seria 1% por ano – aproximadamente o número real de mortes. Entretanto, o Relatório do Fórum de Chernobil contabilizou essas mortes como causadas por radiação, elevando o total para cerca de 50. Esse relatório também atribuiu cerca de 4000 casos de câncer na tireoide ao iodo radioativo liberado na atmosfera, mas não levou em consideração a ocorrência natural de casos de câncer [por fatores genéticos etc]". Para maiores detalhes, veja os Comentários ao Relatório do Fórum de Chernobil submetidos pela delegação Polonesa à UNSCEAR (e que não foram incorporados ao relatório final).
  3. Banana (artigo na Wikipedia). "Devido ao elevado teor de potássio em sua composição, as bananas são levemente radioativas, mais do que a maioria dos outros frutos. Isso se deve à presença do isótopo radioativo potássio-40 (40K), regularmente distribuído no potássio ocorrente na natureza, apesar de que o isótopo comum, potássio-39 (39K), seja não-radioativo. (...) Embora a radioatividade da banana seja muito leve, todavia, grandes carregamentos da fruta em navios podem ser suficientes para disparar detetores ou sensores de radiação em determinadas circunstâncias."
  4. Interim Findings of Fukushima-Daiichi Assessment presented at the Annual Meeting of UNSCEAR. "(...) [E]mbora vários trabalhadores tenham sido irradiados após suas peles terem sido contaminadas [por material radioativo], nenhum efeito clinicamente observável foi relatado. Seis trabalhadores morreram desde o acidente mas nenhuma das mortes foi relacionada a irradiação (...)."
  5. Report of the United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation.
  6. Commentary on Fukushima and Beneficial Effects of Low Radiation. "[O] 'Quartel-General de Reconstrução' relatou aproximadamente 1100 mortes [entre as pessoas evacuadas dos arredores da usina de Fukushima] devido a efeitos psico-somáticos (67%) e a interrupção de serviços médicos e de bem-estar social (18%) [entre outras causas] (Saji 2013, Table A5)." Portanto, a evacuação tomou mais vidas do que seriam perdidas se fosse dito às pessoas para permanecerem onde estavam.
  7. Japan records its largest trade deficit. "O défict da balança comercial Japonesa quase triplicou em 2012, chegando a 6,93 trilhões de yens (77 bilhões de dólares) (...). O país tem sido forçado a importar mais gás natural e outros combustíveis para compensar o desligamento da maioria de suas usinas nucleares após o acidente de Fukushima em Março de 2011. Atualmente apenas dois de seus 50 reatores restantes estão gerando eletricidade, resultando em um aumento de 8.3% na demanda por gás natural entre Dezembro de 2012 e o mesmo período de 2011." As crescentes importações de combustíveis fósseis não são o único problema da economia Japonesa, mas é claro que energia mais cara só complica as coisas.
  8. Yucca Mountain nuclear waste repository (artigo na Wikipedia). O Repositório de Lixo Nuclear da Montanha Yucca havia sido planejado para estocar o lixo nuclear das usinas Norte-americanas, mas foi abandonado pelo Governo Federal por motivos políticos antes de entrar em funcionamento.
  9. Background radiation (artigo da Wikipedia). A média mundial para radiação de fundo é 3,01 mSv/ano. Regiões do mundo com altas taxas de radiação de fundo incluem Guarapari no Brasil (175 mSv/ano) e Ramsar no Irã (131 mSv/ano). Em constraste, medições realizadas em torno da usina de Fukushima em Dezembro de 2011 registraram taxas de no máximo 166 mSv/ano. Fukushima está radiologicamente mais segura do que Guarapari.
  10. A new look at prolonged radiation exposure. Na verdade os níveis de radiação chegaram a ser 400 vezes maiores do que a radiação de fundo, sem danos à saúde de cobaias terem sido detectados.
  11. New Take on Impacts of Low Dose Radiation.
  12. Effects of Cobalt-60 Exposure on Health of Taiwan Residents Suggest New Approach Needed in Radiation Protection, Dose-Response Journal, Agosto de 2006.
  13. Não apenas em 2011, mas em muitas ocasiões ao longo dos anos artigos foram publicados documentando a inocuidade, ou mesmo os benefícios da exposição a baixas doses de radiação. Veja por exemplo Nuclear Energy and Health: And the Benefits of Low-Dose Radiation Hormesis, publicado no Dose-Response Journal em 2009.

2013/04/09

O chabu nuclear da Superinteressante

A Superinteressante deste mês traz uma matéria intitulada Como Fazer Uma Bomba Atômica. Escrita por João Vito Cinquepalmi, ela pretende ser uma discussão dos meios pelos quais terroristas poderiam tentar construir uma arma nuclear, as dificuldades envolvidas, suas chances de superá-las, e que medidas estariam sendo tomadas para impedi-los. Infelizmente, nenhum desses tópicos recebe mais do que um tratamento superficial, e nenhuma conclusão concreta é alcançada – a matéria acaba não indo além de informações básicas sobre fabricação de bombas nucleares, anedotas e afirmações vagamente alarmistas como "[construir uma bomba nuclear] não é tão fácil como dizem. Mas também não é tão difícil assim."

Quandro criança, fui um leitor assíduo da Superinteressante. Por isso, é triste para mim reconhecer o tratamento abismal que a revista outrora tão respeitada por mim reservou para um tema tão importante para o mundo de hoje – a tecnologia nuclear e seu impacto na segurança internacional.

Ao contrário do que Cinquepalmi diz (sem entretanto oferecer argumentos que sustentem sua posição), construir uma bomba nuclear é "tão difícil assim", sim.

Um "Austin Powers" Nuclear

Em seu artigo The Atomic Terrorist, o cientista político John Mueller faz uma análise detalhada das dificuldades à espera de um grupo clandestino que tentasse construir uma bomba nuclear. É uma ótima leitura que recomendo a todos, mas em resumo seus argumentos são os seguintes:
  1. Obter o material radioativo para construir uma bomba não é nada trivial, por inúmeros motivos – sua raridade, as medidas de segurança que o circundam, a facilidade com que pode ser rastreado e a necessidade de contar com colaboradores que precisariam ser corrompidos com altas cifras (e que poderiam então tentar chantagear seus "clientes", ou simplesmente embolsar o suborno e ir correndo denunciá-los às autoridades) são apenas alguns;
  2. Ao contrário do que muitas vezes se ouve, os designs mais antigos de bombas nucleares só são "simples" em comparação com as armas mais recentes. Um diagrama de uma bomba de fissão balística pode passar uma ideia geral do seu funcionamento, mas isso nem de longe é informação suficiente para fazer uma. Planos de manufatura detalhados e precisos seriam necessários, além de um entendimento intuitivo das tolerâncias envolvidas na sua construção – o tipo de conhecimento que requer experiência prática;
  3. Por isso, também não basta ter os planos: é preciso reunir uma equipe multidisciplinar, incluindo especialistas em metalurgia, mecânica, eletrônica e obviamente engenharia nuclear, entre outras disciplinas. Esses profissionais – todos com níveis de experiência e conhecimentos nada comuns – precisariam ser motivados a trabalhar juntos, em período integral, provavelmente durante anos, e abrindo mão de qualquer perspectiva de uma vida "normal" nesse período, e talvez para sempre, se o projeto for bem-sucedido;
  4. Também não é possível trabalhar em uma bomba nuclear na garagem de casa. Máquinas industriais, instrumentos de precisão, câmaras de armazenamento, equipamentos de proteção pessoal e outros implementos teriam que ser reunidos, provavelmente em uma ampla oficina. Tudo isso custa dinheiro, e também seria bastante difícil de organizar sem atrair atenção indesejada – por exemplo, dos governos nacionais que a essa altura já estariam cientes do roubo do material radioativo e empenhados na sua localização;
  5. Qualquer inadequação nos itens acima – qualidade ou quantidade insuficiente do material radioativo, planos de construção incompletos, deficiências de qualificação na equipe de montagem, equipamentos aquém dos requerido – teria efeitos dramáticos na viabilidade do projeto. A equipe poderia exaurir seu tempo e recursos tentando inutilmente resolver problemas técnicos muito além de suas possibilidades. Também é preciso lembrar que um poderoso explosivo convencional é parte imprescindível de uma bomba nuclear, e tais mecanismos não são conhecidos por sua estabilidade ou tolerância a erros de manuseio – bastaria um descuido para o projeto terminar de forma prematura e espetacular;
  6. Caso, por uma piada demente do Destino, esses obstáculos fossem de alguma forma superados, a bomba acabada precisaria ser levada até seu alvo. Ao contrário do que comentaristas de política internacional e roteiristas de filmes do James Bond acreditam, uma bomba nuclear não cabe em nenhuma maleta disponível no mercado; ao contrário, elas são trambolhos grandes e pesados, difíceis de transportar, mesmo desconsiderando a ansiedade que devem causar em seus portadores. Uma bomba de "segunda categoria", manufaturada em condições abaixo do ideal (o que necessariamente seria o caso em uma operação clandestina), seria muito pior – maior, mais pesada, mais difícil de ocultar e certamente menos resistente a danos no transporte;
  7. E se a bomba chegasse ao seu destino, não haveria nenhuma garantia de que ela funcionaria – obviamente um modelo de testes que validasse o processo de fabricação estaria além das possibilidades do grupo. Tampouco haveria qualquer garantia de ausência de problemas durante o transporte, uma operação que também dificilmente ocorreria em condições ideais.
Mueller conclui seu artigo com uma lista de 20 etapas que precisariam ser cumpridas, caso um grupo terrorista desejasse por meios próprios construir e fazer uso de uma arma nuclear. Ele observa que, assim como Austin Powers descer de pára-quedas sobre um carro em movimento, cumprir todos os 20 passos não seria fisicamente impossível – mas envolveria tantos fatores alheios ao controle de seus protagonistas, que sua chance de execução no mundo real seria praticamente nula. Afinal, mesmo atribuindo uma probabilidade de sucesso de 50% a cada uma dessas  ações – uma estimativa bastante otimista, considerando que mesmo missões muito mais simples são frequentemente desbaratadas pelas autoridades – a chance de ser bem-sucedido em todas elas em sequência seria menor do que 1 / 1.000.000 (uma em um milhão).

O Caso da Aum Shinrikyo

Um dos melhores estudos de caso sobre a viabilidade do desenvolvimento clandestino de armas nucleares é o da Aum Shinrikyo, uma seita religiosa apocalíptica Japonesa. Em 1993, quando iniciou seu programa nuclear clandestino, a organização contava com membros de alto nível educacional (chegando a ser conhecida como "religião das elites"), amplos recursos financeiros, uma base remota cuja privacidade poderia ser razoavelmente garantida, e até mesmo uma mina de urânio.

Além disso, diferente da Al-Qaeda e organizações semelhantes hoje em dia, a Aum Shinrikyo ainda não era àquela época um grupo ilegal ou ostensivamente perseguido pela autoridades internacionais. Portanto, podia prosseguir à luz do dia e em relativa tranquilidade com suas operações "normais" (logística, finanças, etc), enquanto tinha todo o tempo do mundo para dedicar-se secretamente a seus objetivos mais sombrios.

Entretanto, a despeito de todos esses fatores favoráveis, a Aum Shirinkyo fracassou redondamente em suas ambições nucleares. A organização então voltou-se primeiro para armas biológicas, e depois armas químicas; finalmente, em 1995 ela protagonizou o ataque com gás Sarin ao metrô de Tóquio onde morreram cerca de 15 pessoas.

Se uma organização com dinheiro, instalações dedicadas, membros de alto nível de escolaridade e livre do assédio constante dos maiores exércitos da Terra não conseguiu desenvolver armas nucleares por conta própria, que chance teriam organizações de recursos limitados, sediadas em países pobres, com infra-estrutura comprometida, pessoal pouco instruído e sob constante perseguição militar?

A Lenda da "Bomba Suja"

Um roteiro alternativo, que busca contornar as dificuldades de acesso a material altamente radioativo nas quantidades necessárias para construir uma bomba nuclear, é o da "bomba suja". Uma "bomba suja" seria um dispositivo que dispersaria material radioativo sobre uma área, expondo seus habitantes a contaminação radioativa. Isso poderia ser feito de várias formas, por exemplo soltando um pó radioativo que fosse levado pelos ventos – mas a maneira mais espetacular (e por isso preferida pelos "analistas") seria através de um explosivo que fosse acoplado ou envolvido por uma quantidade de material radioativo.

Scott Stewart analisa os problemas com esse design em um artigo no site de notícias STRATFOR:

A menos que grandes quantidades de material altamente radioativo sejam usadas, os efeitos da exposição [a esse material] seriam limitados. É comum sermos expostos a níveis elevados de radiação durante atividades tais como viagens de avião e montanhismo. Para causar efeitos adversos em um período curto, tal exposição precisa ocorrer a uma taxa muito elevada, ou ser sustentada por longos períodos para taxas de radioatividade mais baixas. Isso não significa que a radioatividade não é perigosa, mas a ideia de que a menor exposição cause danos mensuráveis não é correta.

Por sua própria natureza, o conceito de uma bomba suja é contraditório. Maximizar os efeitos danosos da radioatividade requer maximizar a exposição das vítimas à maior concentração possível de radioisótopos. Porém, ao dispersar o material radioativo, por definição e design a bomba suja dilui a concentração da fonte de radioatividade, dispersando menores quantidades de radiação sobre uma área maior. Além disso, o uso de uma explosão para dispersar o material alertaria as pretensas vítimas, que então abandonariam a área afetada, procurariam unidades de descontaminação etc. Esses fatores tornam muito difícil para um atacante administrar uma dose letal de radiação através de uma bomba suja.

Ou seja: a única forma de construir uma "bomba suja" cujos efeitos radiológicos fossem efetivos, seria usando uma grande quantidade de material altamente radioativo – e aí voltamos ao problema original, do acesso desanimadoramente difícil (para pretensos terroristas) a esse tipo de material 

If It Bleeds, It Leads

Mas se tudo isso é verdade, por que tanto se fala sobre os riscos de armas nucleares caírem em mãos de terroristas? Mueller comenta, a propósito de alguns comentários enganosos sobre o livro The Atomic Bazaar, que "escritores de orelhas de livros concluíram que histeria vende mais do que ponderação". É perfeitamente possível estender esse comentário à comunidade internacional de "inteligência", cujos orçamentos são eternamente dependentes da ameaça iminente representada por nações hostis ou grupos ilegais. Quão reais são essas ameaças é irrelevante, contanto que elas intimidem governos e corporações a manter e expandir seus investimentos em "segurança".

E infelizmente, algo muito parecido acontece na imprensa. Há um ditado em Inglês que diz, "if it bleeds, it leads" ("se isto sangra, isto lidera", em uma tradução ao pé-da-letra) – isto é, as notícias mais medonhas (que "sangram" mais) são as que fazem mais sucesso ("lideram" a audiência). Jornais, revistas e outras publicações – mesmo as "sérias" e "científicas" – não estão necessariamente interessadas na verdade, mas sim em atrair leitores. E se regurgitar as campanhas de paranoia da comunidade internacional de "inteligência" cumpre esse propósito... Não é como se esses veículos estivessem fazendo nada ilegal, não é mesmo? Eles apenas estão seguindo a história mais interessante – ainda que seja a menos provável.

Afinal, todos podemos concordar que Por Que É Praticamente Impossível Construir Uma Bomba Atômica Sem O Total Apoio De Um Estado Nacional seria uma chamada muito menos... Bem, chamativa do que Como Fazer Uma Bomba Atômica.

2013/04/02

Radiation in hell and radiation in paradise



Radiation in hell and radiation in paradise é um intrigante documentário independente sobre os mitos que cercam o fenômeno da radioatividade e seus efeitos em seres vivos. Com segmentos filmados na cidade abandonada de Pripyat (que havia sido construída para abrigar os trabalhadores da usina de Chernobil) e nas praias de Guarapari, o filme pretende contrastar os temores de envenenamento radioativo que mantém Pripyat vazia com o intenso movimento de Guarapari, onde níveis de radioatividade quase 100 vezes maiores são encontrados – sem que jamais tenha sido encontrada uma relação entre isso e quaisquer problemas de saúde pública.

Segundo o diretor Theo Richel (com quem troquei alguns e-mails) o filme deve ser lançado no final de Abril: ainda há uma entrevista por fazer, mas os segmentos de vídeo em Pripyat e Guarapari já foram filmados, e estão em fase de edição. Assim que o documentário estiver disponível eu prometo assistir e comentá-lo aqui.

2013/03/25

O Mundo Precisa de Energia Nuclear?

Nos últimos anos, o desafio de por um lado atender às crescentes necessidades energéticas da população mundial, e de outro reduzir o impacto de nossas atividades ao meio-ambiente, têm levado a uma ampla reconsideração da tecnologia nuclear e seu papel no nosso futuro. Este vídeo do TED ilustra bem os pontos atualmente apresentados a favor e contra a disseminação de usinas nucleares:


(Para quem preferir ler uma transcrição do debate a assistir o vídeo, acesse esta página, clique em "Show transcript" e selecione a língua que desejar – há uma versão em Português disponível.)

Assistindo o vídeo, gostei especialmente do fato de os dois lados apresentarem dados concretos, quantitativos, para fundar seus argumentos. Quando a grande mídia toca nesses assuntos é comum eles serem tratados de forma muito vaga; é refrescante poder acompanhar uma discussão que contenha números, para variar um pouco.

Acho que não preciso dizer que me localizo no campo pró-nuclear, e portanto apoio a posição defendida por Stewart Brand: usinas hidroelétricas, eólicas e solares são ótimas, mas há limites ambientais que limitam a sua aplicação – e desse ponto em diante energia nuclear é atualmente a única alternativa viável aos combustíveis fósseis. Se tecnologias como a conversão de CO2 em hidrocarbonetos, LENR e fusão quente amadurecessem logo, talvez toda essa discussão se tornasse irrelevante; mas isso ainda pode levar décadas, e enquanto isso ainda precisamos de alguma fonte para suprir nossas necessidades sempre crescentes de energia – de preferência sem entulhar a atmosfera com carbono, enxofre e fuligem.

Quanto aos pontos do Prof. Mark Jacobson, eu gostaria de fazer alguns comentários:

Sobre as estimativas de emissão de CO2: é interessante notar que mesmo a estimativa "pessimista" para energia nuclear ainda é bem  inferior (cerca de 1/3) à estimativa "otimista" para usinas termoelétricas que implementem Carbon Capture and Storage (CCS) – isto é, as termoelétricas "limpas", das quais nenhuma ainda está em operação. Fossem usados os dados para as plantas atuais, que despejam todas as suas emissões na atmosfera, e certamente a diferença em favor das usinas nucleares seria bem maior. Isso é condizente com o argumento pró-nuclear de que outras formas de produção são preferíveis quando aplicáveis, mas na falta delas uma usina nuclear é uma opção ambientalmente menos agressiva do que uma termoelétrica.

Sobre a demora para construir uma usina nuclear: nos Estados Unidos, um dos principais entraves é a reticência do governo federal, que por mais de trinta anos recusou-se a emitir permissões para construção de novas usinas. É claro que mesmo descontando a burocracia não é trivial construir uma usina nuclear tradicional, com potência da ordem de Gigawatts; é aí que entram novos designs como o Toshiba 4S, que combinam simplicidade e dimensões menores com os benefícios de um esquema de produção em escala industrial.

Sobre a questão da proliferação: esse argumento de que usinas nucleares produzem matéria-prima para armas atômicas era válido para as bombas atômicas baseadas em Plutônio, elemento que não existe na natureza e precisa ser produzido "queimando" Urânio em uma usina. Porém armas atômicas mais recentes são baseadas em Urânio mesmo, e aí o requisito não são usinas, mas centrífugas capazes de refinar o urânio às concentrações necessárias (e que são muito maiores do que as exigidas por usinas atômicas). Quem está acompanhando a novela do programa nuclear Iraniano deve lembrar que há alguns anos, a Rússia propôs assumir o enriquecimento de Urânio para o Irã, se eles em troca abandonassem seu programa de centrífugas. Da mesma forma, o Stuxnet foi desenvolvido para atacar as centrífugas, não as usinas Iranianas. Pode-se argumentar que um país que domina a tecnologia básica poderia eventualmente desenvolvê-la ao nível necessário para produção bélica – mas isso é o mesmo que acusar um país que domine a produção de fertilizantes e inseticidas de ser um "potencial produtor de armas químicas".

Sobre confiabilidade: um estudo sobre as usinas eólicas do Reino Unido realizado em 2011 chegou à conclusão de que em média, a geração de energia é da ordem de 20% da capacidade instalada, que os momentos de pior desempenho muitas vezes coincidem com os de maior demanda (e vice-versa), e que é apenas o mercado de Renewable Obligation Certificates que torna as usinas eólicas economicamente viáveis. E em Julho de 2012 a província de Alberta no Canadá foi assolada por blecautes, quando uma calmaria deixou todas as turbinas de vento na mão. Como disse Rod Adams em um artigo recente, "[w]ho could have possibly predicted that the wind would be unavailable on the hottest (and coldest) days?"

E quanto a você? O que achou do vídeo, e dos argumentos oferecidos por cada lado? Deixe sua opinião na seção de comentários.

2013/03/18

Novo modelo de reator nuclear é movido a "lixo" atômico


Fonte: The Register

Um novo modelo de reator nuclear desenvolvido por ex-membros do Massachusetts Institute of Technology (MIT) utiliza como combustível material descartado por reatores de água leve (Light Water Reactor ou LWR), atualmente o modelo dominante de reator nuclear.

O problema do "lixo" atômico é mais econômico do que técnico. O combustível de um reator LWR são bastões de óxido de urânio. Através do processo de fissão nuclear, o urânio libera calor – que é aproveitado pelo reator para gerar eletricidade – e radiação, transformando-se em elementos menos energéticos. Naturalmente, à medida em que o urânio vai se "consumindo", os bastões começam a liberar menos calor; basta que apenas 5% do urânio tenha sido "gasto" para que a taxa de liberação de calor caia abaixo de um nível crítico de eficiência, e os bastões precisem ser substituídos.

E os outros 95% de urânio, não poderiam ser reaproveitados? Com toda certeza, mas aí entra a questão econômica: a demanda mundial de urânio é muito inferior às reservas disponíveis, por isso sai mais barato comprar combustível "novo" do que reciclar o material desgastado. Armazenar esse material de forma segura gera um custo, que seria menor se o combustível pudesse ser "gasto" mais completamente antes de ser descartado; mas o volume de "lixo" produzido por uma usina nuclear é pequeno o bastante para que o descarte ainda seja a solução mais econômica. A usina de Angra 2, por exemplo, produz por ano 50m3 de dejetos, cerca de 550 toneladas; para efeito de comparação, a usina termoelétrica Suape III libera 24.000 toneladas de CO2 por dia.

A vantagem do novo design de Reator de Sal Derretido Eliminador de Resíduos (Waste Annihilating Molten Salt Reactor ou WAMSR) proposto pela Transatomic Power, empresa criada para comercializar a tecnologia, é justamente a capacidade de transformar esse "lixo" em energia a custos competitivos com os reatores LWR rodando a combustível "novo". Em um reator WAMSR, pastilhas de resíduos nucleares são dissolvidas, em uma solução de sal de fluorido, e o composto resultante é bombeado para dentro de um núcleo de grafite, ocasionando um processo controlado de fissão. O calor liberado pela fissão é usado para mover uma turbina elétrica.

Diagrama esquemático de um reator WAMSR.

O processo é muito mais eficiente do que o usado em um reator LWR – consumindo até 98% da energia potencial contida no combustível nuclear – e muito mais conveniente em caso de problemas. Como o combustível é líquido (diferente do caso do reator LWR que usa combustível sólido), ele pode ser facilmente drenado para um recipiente de resfriamento quando for preciso desligar o reator rapidamente. No modelo WAMSR isso é implementado na forma de um plugue no fundo do tanque de combustível, que precisa ser ativamente resfriado para permanecer no lugar: se o resfriamento for interrompido (por exemplo no caso de uma falha elétrica), o plugue derrete e o combustível flui para dentro de um compartimento contendo sal em estado sólido, que resfria o combustível e "mata" a reação de fissão. O processo não requer qualquer tipo de intervenção (fosse ela humana ou de algum equipamento) para ser iniciado, fora a interrupção do resfriamento do plugue.

Atualmente 270.000 toneladas de "lixo" atômico permanecem armazenadas em depósitos pelo mundo. Se todo esse material fosse aproveitado em usinas WAMSR, a energia resultante poderia atender todas as nossas necessidades energéticas pelos próximos 70 anos; após esse período, as usinas poderiam ser convertidas para consumir combustível "normal" diretamente.

2013/03/12

Fukushima 2 Anos: O Verdadeiro Inimigo É O Medo


Um dos argumentos recorrentes a favor da manutenção da zona de exclusão em volta da usina Fukushima Dai-Ichi é o medo de "efeitos de longo prazo" – ou em bom português, câncer.

Nos próximos anos, pessoas que residem ou residiram na região de Fukushima com certeza vão desenvolver câncer. Posso afirmar isso sem medo de me enganar, porque o risco de câncer é inerente à nossa natureza biológica – ele incide sobre praticamente todos os seres vivos, independente de suas condições ambientais.

Em particular, dois fatores contribuem para o desenvolvimento de câncer: idade avançada e stress. Como a população Japonesa só tende a envelhecer, e todo refugiado está, por definição, sob intenso stress, eu não me surpreenderia nem um pouco se um aumento de casos de câncer for detectado não apenas em Fukushima, mas em toda a região de Touhoku nos próximos anos.

Entretanto, quando o número de casos de câncer em Fukushima for comparado com o de outras regiões que sofreram com o terremoto e tsunami, mas não com qualquer contaminação radioativa, eu duvido muito que seja detectada qualquer diferença estatisticamente significante. Isso porque radioatividade não é um "raio da morte" que causa câncer ao menor contato: todos os seres vivos possuem um certo grau de resistência, até porque nós somos continuamente bombardeados por radiação cósmica, além de fontes humanas (raios X, radiação na alta atmosfera em passageiros de vôos internacionais...), e nem por isso sofremos todos de câncer.

E mesmo os trabalhadores que contiveram o reator tiveram seus níveis de exposição à radiação acompanhados de perto, justamente para não ultrapassar os limites da resistência humana – enquanto os civis foram evacuados logo no começo da crise.

Portanto, a maior fonte de riscos à vida relacionada ao incidente em Fukushima, e que infelizmente não dá sinais de enfraquecer, é o medo, e as más decisões que ele motiva.

Somos Todos Radioativos

Porque há para nós um problema sério (...).
Esse problema é o do medo.

– Antônio Cândido

Em 11 Março de 2011 a região de Touhoku no Leste do Japão foi atingida por um dos terremotos mais violentos da história registrada do arquipélago. Tremores de magnitude 8,9 Mw e ondas gigantes de mais de 10 metros devastaram a costa, destruindo rodovias e ferrovias, varrendo pequenas cidades do mapa, e fazendo cerca de 30.000 vítimas, entre mortos e desaparecidos.

Entretanto, nos dias e semanas que se seguiram ao terremoto, o interesse da mídia distanciou-se progressivamente dos vastos prejuízos materiais e inúmeras perdas humanas provocadas pelo desastre natural, preferindo focar-se no que ficou conhecido como "o acidente nuclear de Fukushima" – o comprometimento dos sistemas de resfriamento dos reatores da usina nuclear Fukushima Dai-Ichi, que havia entrado em processo automático de desligamento após o terremoto.

Naquela época eu não tinha muito interesse ou conhecimentos, e nenhuma opinião formada sobre energia nuclear. Entretanto, eu tinha um interesse pessoal em saber o quê exatamente estava acontecendo em Fukushima, de que formas a "crise" poderia evoluir, e quais seriam suas consequências de longo prazo. A grande imprensa não estava sendo de muita ajuda, então comecei a acompanhar a situação por sites especializados.

O departamento de Ciência e Engenharia Nuclear do MIT, a Agência Internacional de Energia Atômica e a série de reportagens de Lewis Page no The Register apontavam todos para uma direção comum: a situação era grave para a usina, mas o perigo estava restrito aos seus arredores; tampouco haveria consequências duradouras mais graves do que um aumento residual no nível de radiação local, que ainda ficaria muito abaixo do naturalmente encontrado em diversas regiões habitadas ao redor do globo.

Dois anos depois, todas essas previsões se confirmaram: o número de fatalidades relacionadas à crise na usina não passou de três, nenhuma por causa de radiação – dois funcionários arrastados pela onda e um terceiro morto no desabamento de um guindaste – e os níveis de radiação em volta da usina não alcançaram os encontrados nas praias de Guarapari, no litoral do Espírito Santo*. A despeito de tudo isso, o mito do "acidente nuclear de Fukushima" permanece – inclusive entre o próprio governo japonês, que recusa-se a permitir o retorno de moradores a uma região perfeitamente segura.

É impossível exagerar a aversão que o grande público sente de termos como "nuclear" ou "atômico". Embora seja inegável que a tecnologia nuclear possa causar danos graves às pessoas e ao meio-ambiente se mal aplicada (como aliás é verdade para toda tecnologia humana, começando pelo fogo e a roda), a hostilidade geral em relação a ela é desproporcional a qualquer estrago real já causado – e muito maior do que o dirigido a tecnologias igualmente úteis mas que tomam inúmeras vidas todos os anos, como o automóvel ou o avião.

Há dois anos eu talvez compartilhasse dessa aversão; mas ironicamente, enquanto buscava compreender o que ocorria no Japão durante aquele Março de 2011, aprendi muito sobre a tecnologia nuclear, seu progresso contínuo e perspectivas futuras. Um certo dia concluí que longe de ser uma inimiga, a energia nuclear pode ser uma aliada poderosa na criação de um mundo mais próspero e mais limpo. Para isso, porém, precisamos vencer o medo sistemático que nos impede de ver essa tecnologia como ela é: uma ferramenta, que tem muito a oferecer se usada corretamente.

Somos Todos Radioativos é minha tentativa de colaborar para uma discussão mais ampla e esclarecida sobre as perspectivas da energia nuclear. O nome do blog é uma referência ao fato de que a radioatividade está presente, de diferentes formas, em todo o mundo – produzida tanto por fontes artificiais (máquinas de raio-X, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos) quanto naturais (raios cósmicos, radiação solar, minerais terrestres) e até por seres vivos (algumas frutas como a banana contém isótopos radioativos derivados do seu próprio metabolismo). Portanto, é tolice pensar que a radioatividade seja um "raio da morte" que mata ou dá câncer ao menor contato; ao contrário, o que precisamos é compreender quando e como ela é perigosa, ou pode ser útil.

Neste espaço eu vou falar sobre a história e a tecnologia da energia nuclear, a natureza e os efeitos da exposição de seres vivos à radioatividade, e discutir argumentos frequentemente usados contra essa tecnologia. Todos são bem-vindos para oferecer suas opiniões, propor pautas e mesmo contribuir artigos.

Permaneçam ligados.

* Por acaso eu nasci em Vitória, no Espírito Santo e fui a Guarapari inúmeras vezes; em vários anos minha família passou uma semana na cidade durante as férias de Verão. Guarapari é um balneário bastante frequentado no Carnaval, e local de residência preferido por muitas pessoas de mais idade. A todos que desejam conhecer a realidade de um "deserto atômico", eu recomendo fortemente que façam uma visita.