2013/04/15

Radiação e Superstição

Fonte: Atomic Insights

Esta é uma tradução de um artigo de Robert Hargraves, originalmente publicado no site Atomic Insights. Ao escrevê-la, busquei dar mais atenção ao significado do que à estrutura do texto original: em vários lugares troquei palavras, mudei a ordem das frases ou expandi parágrafos para melhor acomodar o conteúdo à nossa língua. É minha avaliação pessoal que apesar disso esta continua sendo uma tradução fiel, mas em todo caso, quaisquer diferenças de sentido são de minha inteira responsabilidade. Também tomei a liberdade de adicionar notas de rodapé contendo links de referências e informações adicionais onde achei necessário.

Quase um milhão de pessoas morrem todos os anos por respirar partículas liberadas na queima de carvão; a temperatura média do planeta pode subir até 2oC antes do fim do século; mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a eletricidade. E no entanto, uma solução para tais crises globais – os casos cada vez mais frequentes de mortes devidas à poluição do ar, o aquecimento global, as crescentes populações de países subdesenvolvidos condenadas à miséria – existe e está ao nosso alcance.

A bem-vinda expansão da classe média ao redor do globo tem feito crescer a demanda por energia. Se a economia mundial continuar a prosperar, e cada pessoa tiver acesso a apenas metade do consumo elétrico médio de um habitante dos Estados Unidos, nossas necessidades de geração elétrica vão triplicar. A maioria dessa eletricidade virá de geradores movidos a carvão, cujo consumo cresceu 8% em 2011. A Alemanha está à frente dessa tendência, construindo novas usinas termoelétricas. Usinas solares e eólicas são muito caras, e sua produção é muito intermitente, para substituir o carvão em escala global[1].


Mina de carvão a céu aberto

A energia nuclear é a solução ao nosso alcance: ela é segura, econômica e de baixo impacto ambiental. Apesar disso a oposição ao seu uso chega às raias da superstição, no sentido dado pelo dicionário Merriam-Webster de "[uma] crença ou prática resultante da ignorância, medo do desconhecido, fé em mágica ou sorte, ou uma falsa concepção de relações de causa-consequência (...). Uma posição mantida a despeito de evidências do contrário." Vamos explorar as evidências.

As pessoas racionalmente temem a possibilidade de acidentes em usinas nucleares causarem a dispersão de partículas radioativas. E é fato que doses maciças de radiação mataram 38 trabalhadores de emergências em Chernobil, e a precipitação de iodo radioativo resultou em 4000 casos de câncer de tireoide e 15 mortes[2]. Entretanto não há qualquer evidência dos milhares de mortes hipotéticas preditas pela extrapolação dos efeitos de doses mortais para níveis mais baixos de exposição. Oponentes da energia nuclear chegam mesmo a falar em mortes da ordem de um milhão, sem apresentar evidências observáveis.

Usando extrapolações matemáticas simplistas dos efeitos de acidentes envolvendo altos níveis de radiação, oponentes da energia nuclear alegam que não há nível seguro de radioatividade – nem mesmo o baixo nível de radiação natural proveniente do espaço e do potássio, urânio e tório radioativos presentes em nosso planeta desde sua criação bilhões de anos atrás. Potássio está presente na nossa comida e nos nossos corpos[3]. Rochas contém o tório e urânio que decai em radônio ou abastece usinas elétricas.


A refinaria de Chiba ardeu em chamas por 10 dias enquanto a mídia internacional focava-se em Fukushima

Reportagens sobre o acidente em Fukushima criaram uma histeria sem fundamento. Um comitê científico das Nações Unidas responsável por investigar os impactos do acidente na saúde pública relatou em Dezembro que nenhum efeito de radiação foi encontrado entre o público ou trabalhadores da usina[4], e aconselhou contra o uso de extrapolações para tentar prever os efeitos de baixas doses de radiação à saúde[5]. Superstições sobre a radiação causam grandes danos. O Japão está gastando bilhões de dólares para evitar o repopulamento de áreas radiologicamente seguras. Centenas de pessoas morreram devido ao stress causado pela evacuação[6]. A importação de gás natural para substituir a energia nuclear causou um déficit na balança comercial Japonesa[7].


Navios-tanque de gás natural em um porto da Coréia do Sul

As pessoas temem desnecessariamente os baixos níveis de radiação emitidos por material dispersado em acidentes, resíduos enterrados, ou procedimentos médicos. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos exigiu dos engenheiros de Yucca Mountain que limitassem vazamentos acidentais a 1/20 dos níveis naturais de radiação por 10.000 anos[8]. Técnicos de máquinas de raios-X bucais costumam cobrir seus pacientes com aventais de chumbo para protegê-los, mas seria preciso expor-se a 10.000 desses procedimentos antes que qualquer efeito à saúde pudesse ser observado.

A exposição prolongada a radiação é segura nos níveis normalmente encontrados no meio-ambiente; nossas células conseguem reparar rapidamente o dano causado ao DNA, à velocidade de uma ocorrência por segundo por célula. Os primeiros seres vivos evoluíram em um ambiente onde a radiação de fundo era 3 vezes maior do que a atual. Nos dias de hoje, populações vivendo em lugares onde o nível de radiação natural é até 5 vezes maior do que a média não apresentam acréscimo no número de casos de câncer[9].

Tão importante quanto a quantidade de radiação a que se é exposto é a taxa a que se dá essa exposição. Taxas elevadas sobrecarregam nossas defesas naturais. As mesmas doses de radiação que foram fatais aos trabalhadores de Chernobil, se recebidas em pequenas frações ao longo de uma vida inteira, não causariam dano algum. Tumores cancerosos são destruídos pela exposição a radiação ao longo de várias sessões de radioterapia, mas o tecido saudável em volta não sofre danos duradouros se lhe for dado tempo para se recuperar. Em 2012 pesquisadores do MIT não encontraram sinais de danos no DNA de pessoas expostas a taxas de radiação 30 vezes maiores do que o normal[10]; cientistas de Berkeley descobriram que baixas taxas de radiação podem mesmo melhorar a saúde das nossas células[11]. A doses e taxas baixas, a radiação é benigna.

Estudos apontam que trabalhadores da indústria nuclear, expostos a baixos níveis de radiação ao longo da vida, têm menos risco de desenvolver câncer do que a média da população. Nos anos 1980, aço utilizado na construção de 180 edifícios contendo cerca de 1700 apartamentos, além de escolas e prédios comerciais em Taiwan e países próximos, foi acidentalmente contaminado com cobalto. Habitantes dessas estruturas foram continuamente expostos a doses relativamente altas de radiação por mais de duas décadas. Entretanto, quando a contaminação foi descoberta e diagnósticos começaram a ser compilados, descobriu-se que entre essas pessoas houve 97% menos casos de câncer do que a média entre nativos de Taiwan[12]. No ano passado, o Dose-Response Journal e a American Nuclear Society publicaram compilações de artigos evidenciando que a exposição a baixos níveis de radiação é benigna ou mesmo saudável[13].

A vaga política de controle de riscos imposta à indústria nuclear, "tão baixo quanto razoavelmente possível", encoraja a multiplicação de empecilhos cada vez mais dispendiosos ao desenvolvimento de uma indústria energética nuclear economicamente viável. Isso poderia ser solucionado pela adoção de uma nova política onde riscos pudessem ser "tão altos quanto razoavelmente seguro". Esses limites seriam estabelecidos com base em evidências práticas, como é a norma em outros setores que envolvem riscos ambientais. A energia nuclear pode atender nossas necessidades energéticas e ainda resolver nossos problemas de pobreza e mudanças climáticas. Deveríamos condenar o futuro do planeta por apego a uma superstição?

– Robert Hargraves

Currículo

Autor: THORIUM: energy cheaper than coal
Líder de estudos sobre políticas energéticas: ILEAD@Darthmouth
Vice presidente: Boston Scientific
Consultor administrativo: Arthur D Little
Vice presidente: Metropolitan Life
Presidente: DTSS
Professor assistente de matemática: Darthmouth College
PhD em Física pela Brown University
Bacharel em Matemática e Física, Darthmouth College

Notas

  1. Wind power: Even worse than you thought. Em média, a geração de energia em usinas eólicas é da ordem de 20% da capacidade instalada; os momentos de pior desempenho muitas vezes coincidem com os de maior demanda, e vice-versa. No Reino Unido, é apenas o mercado de Renewable Obligation Certificates que torna as usinas eólicas economicamente viáveis.
  2. Segundo o Dr. Jerry Cuttler, "doses maciças de radiação mataram 28 de 134 trabalhadores de emergência que receberam tratamento para síndrome de irradiação aguda; os outros 106 trabalhadores se recuperaram. Durante os 19 anos seguintes, 20 desses 106 trabalhadores morreram de causas naturais, incluindo cirrose do fígado e enfisema. Em condições normais o índice de mortalidade desses trabalhadores seria 1% por ano – aproximadamente o número real de mortes. Entretanto, o Relatório do Fórum de Chernobil contabilizou essas mortes como causadas por radiação, elevando o total para cerca de 50. Esse relatório também atribuiu cerca de 4000 casos de câncer na tireoide ao iodo radioativo liberado na atmosfera, mas não levou em consideração a ocorrência natural de casos de câncer [por fatores genéticos etc]". Para maiores detalhes, veja os Comentários ao Relatório do Fórum de Chernobil submetidos pela delegação Polonesa à UNSCEAR (e que não foram incorporados ao relatório final).
  3. Banana (artigo na Wikipedia). "Devido ao elevado teor de potássio em sua composição, as bananas são levemente radioativas, mais do que a maioria dos outros frutos. Isso se deve à presença do isótopo radioativo potássio-40 (40K), regularmente distribuído no potássio ocorrente na natureza, apesar de que o isótopo comum, potássio-39 (39K), seja não-radioativo. (...) Embora a radioatividade da banana seja muito leve, todavia, grandes carregamentos da fruta em navios podem ser suficientes para disparar detetores ou sensores de radiação em determinadas circunstâncias."
  4. Interim Findings of Fukushima-Daiichi Assessment presented at the Annual Meeting of UNSCEAR. "(...) [E]mbora vários trabalhadores tenham sido irradiados após suas peles terem sido contaminadas [por material radioativo], nenhum efeito clinicamente observável foi relatado. Seis trabalhadores morreram desde o acidente mas nenhuma das mortes foi relacionada a irradiação (...)."
  5. Report of the United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation.
  6. Commentary on Fukushima and Beneficial Effects of Low Radiation. "[O] 'Quartel-General de Reconstrução' relatou aproximadamente 1100 mortes [entre as pessoas evacuadas dos arredores da usina de Fukushima] devido a efeitos psico-somáticos (67%) e a interrupção de serviços médicos e de bem-estar social (18%) [entre outras causas] (Saji 2013, Table A5)." Portanto, a evacuação tomou mais vidas do que seriam perdidas se fosse dito às pessoas para permanecerem onde estavam.
  7. Japan records its largest trade deficit. "O défict da balança comercial Japonesa quase triplicou em 2012, chegando a 6,93 trilhões de yens (77 bilhões de dólares) (...). O país tem sido forçado a importar mais gás natural e outros combustíveis para compensar o desligamento da maioria de suas usinas nucleares após o acidente de Fukushima em Março de 2011. Atualmente apenas dois de seus 50 reatores restantes estão gerando eletricidade, resultando em um aumento de 8.3% na demanda por gás natural entre Dezembro de 2012 e o mesmo período de 2011." As crescentes importações de combustíveis fósseis não são o único problema da economia Japonesa, mas é claro que energia mais cara só complica as coisas.
  8. Yucca Mountain nuclear waste repository (artigo na Wikipedia). O Repositório de Lixo Nuclear da Montanha Yucca havia sido planejado para estocar o lixo nuclear das usinas Norte-americanas, mas foi abandonado pelo Governo Federal por motivos políticos antes de entrar em funcionamento.
  9. Background radiation (artigo da Wikipedia). A média mundial para radiação de fundo é 3,01 mSv/ano. Regiões do mundo com altas taxas de radiação de fundo incluem Guarapari no Brasil (175 mSv/ano) e Ramsar no Irã (131 mSv/ano). Em constraste, medições realizadas em torno da usina de Fukushima em Dezembro de 2011 registraram taxas de no máximo 166 mSv/ano. Fukushima está radiologicamente mais segura do que Guarapari.
  10. A new look at prolonged radiation exposure. Na verdade os níveis de radiação chegaram a ser 400 vezes maiores do que a radiação de fundo, sem danos à saúde de cobaias terem sido detectados.
  11. New Take on Impacts of Low Dose Radiation.
  12. Effects of Cobalt-60 Exposure on Health of Taiwan Residents Suggest New Approach Needed in Radiation Protection, Dose-Response Journal, Agosto de 2006.
  13. Não apenas em 2011, mas em muitas ocasiões ao longo dos anos artigos foram publicados documentando a inocuidade, ou mesmo os benefícios da exposição a baixas doses de radiação. Veja por exemplo Nuclear Energy and Health: And the Benefits of Low-Dose Radiation Hormesis, publicado no Dose-Response Journal em 2009.

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